O "quase" envolvimento militar do Brasil na Guerra do Vietnã


Um dos acontecimentos mais expressivos das décadas de 60 e 70 do século XX
foi a Guerra do Vietnã na sua chamada “fase americana” (1964-1973). Os Estados
Unidos enviaram tropas para a região na sua luta contra o comunismo, porém sua
máquina de guerra “atolou” contra o grupo de guerrilheiros comunistas locais
denominado “Vietcong”. A repercussão da guerra foi mundial – tanto que quase
envolveu o Brasil, um país muito longe do Sudeste Asiático.

Regime Militar Brasileiro e a Guerra do Vietnã 

No dia 6, a posição do governo brasileiro ganhava primeira página na Folha de
São Paulo: o Brasil era solidário aos Estados Unidos e contrário à agressão nortevietnamita.
Como era uma intervenção para auxiliar um país que estava sendo atacado
pelo comunismo – o mesmo motivo que os militares haviam alegado para justificar sua
ascensão ao poder em 1964 –, a posição do governo brasileiro de apoiar os Estados
Unidos foi bastante lógica.
Desde as primeiras notícias do agravamento da crise no Sudeste Asiático, o
governo militar brasileiro mostrava-se muito preocupado com a situação, desejando um
rápido desfecho, de preferência com os resultados favoráveis aos norte-americanos. O
risco não era apenas de um eventual exemplo a grupos de oposição, que ainda poderiam
exercer alguma reação dentro do Brasil naquele momento, mas também a pressão dos
seus próprios aliados, os Estados Unidos, que queriam a presença de tropas brasileiras
no conflito vietnamita.
O presidente Castelo Branco era informado sobre a maioria das operações que
eram efetuadas no Vietnã pelo próprio Johnson, por meio do embaixador Lincoln
Gordon. Numa carta de Johnson para Castelo Branco (datada de 25/07/65), o então
Presidente dos Estados Unidos deixou clara a sua intenção:


"Fui informado de que o governo brasileiro já providenciou o envio de café e
medicamentos para o Vietnã, através da Cruz Vermelha Brasileira, e tenho certeza de
que esses artigos são muito necessários àquele país. Em vista das atuais circunstâncias,
porém, parece que se fará necessária ajuda adicional, e estou muito interessado em
conhecer seu ponto de vista em relação a que tipo de assistência adicional o governo
brasileiro talvez pudesse fornecer."



O governo norte-americano condicionou um empréstimo ao Brasil, no valor de
150 milhões de dólares, à presença de tropas brasileiras no Vietnã.
A “Diretriz particular e íntima para o ministro Juraci Magalhães”, ministro do
Exterior na época, comentando o pedido norte-americano, afirmou:

"O caso do Vietnã está repercutindo em cheio sobre o Governo do Brasil. O embaixador
Gordon, em sua última conferência comigo, antes do Natal, me transmitiu o pedido do
presidente Johnson para o nosso país colaborar no esforço norte-americano. (...) Sugeriu
então que enviássemos meios de guerra (tropas terrestres, navios ou aviões), médicos ou
mesmo enfermeiros."

Castelo Branco nunca cogitou a idéia de mandar tropas ao Vietnã, sendo esta
política justificada pela lógica dos preceitos da Escola Superior de Guerra. Por esses
conceitos, o Brasil deveria defender uma área específica, surgindo daí a teoria dos
Círculos Concêntricos ou cones, ou seja, áreas estratégicas delimitadas que o Brasil
deveria intervir em casos de emergência. O Brasil teria de se preocupar com o “círculo
concêntrico” do Atlântico Sul, intervindo (quer por alianças, quer por pressão militar)
nos instáveis vizinhos Paraguai, Bolívia, Venezuela, Uruguai e na sempre rival
Argentina; o “cone” da margem do Atlântico, preocupando-se com o litoral africano,
que assistia a inúmeras lutas de caráter anticolonial (muitas delas defendendo a
revolução socialista); e o “cone” norte, barrando a influência da Revolução Cubana (o
que explicaria a presença de tropas brasileiras na República Dominicana, em 1965). O
papel dos Estados Unidos seria o de auxiliar todos os lugares do mundo onde existisse
ameaça comunista, como estavam fazendo no Sudeste Asiático. Dentro dessa lógica, a
presença brasileira no Vietnã do Sul seria desnecessária, já que o país já estava
cumprindo o seu papel dentro do continente americano.
O governo de Castelo Branco deu apoio ao governo de Lyndon Johnson e ao
governo do Vietnã do Sul exportando café e enviando ajuda médica através da Cruz
Vermelha do Brasil. Apesar do auxílio brasileiro limitar-se apenas ao envio de café e de
medicamentos, os sul-vietnamitas colocaram o nome do país num monumento, com
nomes de todos os países que ajudavam o Vietnã do Sul.
Não seria a última vez que o governo dos Estados Unidos iria propor que o
Brasil se envolvesse diretamente no Vietnã: Henry Kissinger, assessor para assuntos de
Segurança Nacional, numa carta escrita em nome do presidente Richard Nixon (1969-
1974) e endereçada ao presidente Médici, datada de 16 de julho de 1973, solicitava que
o Brasil substituísse o Canadá na comissão de quatro países que tentariam monitorar o tratado de paz celebrado pelas conversações de Paris, assinado em 27 de janeiro do
mesmo ano (tratado que deixou a situação igual ao instável acordo de Genebra de
1954), pois “o governo é ideologicamente sólido e o país tem experiência
internacional”. O governo Médici recusou a oferta – o Vietnã era um problema
“espinhoso” demais para o regime militar brasileiro participar.

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